Dólar alto veio para ficar? Questões-chave para entender o pico da moeda
27 de novembro de 2019


A recente escalada do dólar desafia a tese de que a aprovação da reforma da Previdência e a agenda liberal seriam suficientes para um real mais forte

Ao cravar que é melhor o Brasil se acostumar com um dólar alto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, talvez não imaginasse que a declaração levaria o câmbio a um estresse ainda maior. O Banco Central tentou acalmar o mercado após a moeda quebrar um novo recorde, atingindo o pico nominal de quase 4,28 reais nesta terça-feira (26). As intervenções no mercado à vista ajudaram, mas só como um paliativo: a cotação fechou em alta de 0,59%, em 4,24 reais.

A recente escalada do dólar desafia a tese de que a aprovação da reforma da Previdência e a agenda liberal do governo seriam as condições que faltavam para a moeda americana alcançar seu valor justo, fixado abaixo de 4 reais. Projeções mais otimistas chegaram a ver o dólar entre R$ 3,50 e R$ 3,80 ao longo do ano, tomando como base este cenário construtivo. Aconteceu o contrário. Agora, economistas e agentes do mercado atribuem o enfraquecimento do real a um coquetel de fatores que não estavam na conta.

A questão é entender por que a moeda vem subindo e por que analistas já consideram os 4,20 reais um novo patamar. Se o dólar funciona como um amortecedor de choques internos e externos, não deveria cair com risco-país em seu nível mais baixo, com o Ibovespa renovando recordes e com as projeções otimistas para a economia? Não há uma única resposta para o cenário que se desenha, mas agentes do mercado já especulam que a fraqueza do real resulta da constatação de que os problemas do país são bem mais complexos do que se imaginava.

A alta do dólar reflete uma piora da percepção sobre o Brasil?

Embora o consenso seja de que o país passa por um momento construtivo (reforma aprovada, criação de empregos, juros baixos), há quem defenda que fatores domésticos estão pesando mais que os problemas externos sobre a taxa de câmbio. Para o economista e diretor da LCA Consultores, Celso Toledo, o país cresceu menos do que se esperava no contexto de uma agenda liberal, o que gera uma percepção de que ele enfrenta um problema mais sério de competitividade.

A incerteza sobre quando e como as reformas pós-Previdência vão avançar no Congresso no próximo ano também adicionam insegurança. Mas a gota d’água para a alta d dólar, segundo Toledo, foi a frustração com a ausência da participação de investidores estrangeiros no leilão da cessão onerosa do pré-sal, no início de novembro. Outro catalisador desta tendência, segundo ele, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal em derrubar a prisão para condenados em segunda instância, que culminou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O fato acendeu mais uma fagulha no país”, complementa o economista.

A queda da Selic está forçando o dólar a subir?

Agentes do mercado defendem que o pilar de sustentação de um real mais forte frente ao dólar não existe mais: os juros altos no Brasil. Com a Selic reduzida ao nível histórico de 5% ao ano, o país perdeu a atratividade para o investidor que pagava caro para apostar contra o real. Os analistas da Rico Investimentos Thiago Salomão e Matheus Soares escreveram em relatório que o dólar mais forte faz sentido neste “novo Brasil” de juros estruturalmente baixos “Isso tira o interesse do investidor mais especulador, que via o Brasil como um país para fazer “carry trade”.

O chamado “carry trade” consiste em tomar dinheiro a juros mais baixos em um país e aplicá-lo em outra moeda, em mercados onde os juros são maiores – como era o caso do Brasil durante muito tempo. A queda da Selic ao seu menor nível torna o país menos atrativo para o investidor estrangeiro, que prefere aplicar em praças com um prêmio de risco maior.

“Acreditamos há algum tempo que a grande queda nas taxas de juros reais no Brasil desde 2017 tem sido um dos principais impulsionadores da fraqueza do real contra outras moedas e contra fatores mais ‘fundamentais’, como preços e crescimento de commodities”, escreveu a equipe do banco UBS em relatório.

A analista de renda fixa e economia da Nord Research, Marília Fontes, diz que tudo o que havia aplicado em renda fixa graças ao juro alto foi embora e dificilmente vai voltar. “O país ficou menos atrativo para o capital especulativo”. Para ela, esse cenário só se reverter se o país atrair investimentos diretos (IED), projetos de longo prazo mais ligados à economia real, como de infraestrutura, algo que em sua visão pode ficar mais viável a partir do próximo ano.

Dá para atribuir fatores globais à alta do dólar frente ao real?

O real vem perdendo força frente a uma cesta de moedas emergentes desde o meio do ano, o que sugere que a fraqueza da moeda se deve a fatores locais, e não globais, segundo o UBS. Os analistas do banco defendem que não é possível atribuir a desvalorização do real desde o início do ano a fatores globais. “Há evidências de que eles não têm sido os maiores causadores da fraqueza da moeda”, escreveram.

No entanto, os efeitos da tensão comercial entre Estados Unidos e China tiveram seu peso. “Estamos em um patamar bastante elevado de incerteza sobre o crescimento da economia mundial, tendo em vista que o principal risco é a disputa comercial. Essa aversão ao risco acaba impulsionando o dólar por ser um ativo de segurança”, afirma o economista da Guide Investimentos, Victor Beyruti.

O dólar está fortalecido praticamente contra todas as moedas relevantes do mundo. Isso se deve, segundo Toledo, da LCA Consultores, a uma aversão ao risco e ao receio de que economia global possa mergulhar em uma recessão.

Recentemente, o Federal Reserve (BC norte-americano) ditou um tom um pouco mais rígido, apontando que não pretende cortar tanto os juros quanto o mercado chegou a precificar. “Um Fed mais duro significa um dólar mais forte, mas é possível que isso mude, pois já aparecem dados americanos mostrando uma certa fraqueza da economia”, afirma Marília Fontes, da Nord.

Se o dólar não caiu após a reforma da Previdência, ela não teve o efeito esperado?

Para o economista Celso Toledo, da LCA, a reforma da Previdência exerceu um papel “importantíssimo” para estabilizar o cenário econômico e criar perspectivas de crescimento, o que tem efeitos sobre a cotação da moeda americana. Em outras palavras, ele acredita que sem a reforma o dólar poderia estar ainda mais alto.b”Ao olhar o Brasil sob a perspectiva do longo prazo, ele está melhor com a reforma do que sem. O problema são os ruídos que se cria no curto prazo, mas a agenda econômica está no caminho certo”, diz.

O mercado reagiu com exagero à fala de Paulo Guedes?

O diretor de câmbio da FB Capital, Fernando Bergallo, diz que a disparada do dólar nesta terça está nitidamente relacionado à fala de Paulo Guedes de que o país deve se acostumar ao enfraquecimento do real. “Houve uma reação exagerada do mercado sobre o que foi dito. Se o Guedes chegar e falar que não é bem isso, o dólar volta para 4,20 de novo”, diz.

Segundo Bergallo, Guedes fez uma constatação, e não uma previsão, de que o dólar vai ficar alto. “O contexto a gente já sabe, mas a colocação descontextualizada passou a mensagem que não era pra passar. De qualquer forma, o mercado reagiu mal à fala, que talvez tenha sido de uma sinceridade muito absoluta”.

Para o economista Celso Toledo, Guedes disse o óbvio ao declarar que em um cenário de juros mais baixos o câmbio tende a subir. O problema, segundo ele, foi o peso de a declaração ter sido feita por ele, em sua posição como ministro.

O Banco Central perdeu a capacidade de controlar a moeda?

Após o dólar alcançar novos picos nesta terça-feira, o BC fez dois leilões no mercado à vista para acalmar os nervos do mercado. No primeiro deles, o dólar sofreu uma queda imediata, mas não demorou para voltar a subir próximo de 4,27 reais. No final do dia, a nova intervenção fez mais efeito.

“Tendo a acreditar que foi algo pontual. O Roberto Campos [presidente do BC] deixou claro que não ia fazer leilão no mercado à vista, só de swap. Mas hoje o mercado foi supreendido”, diz Cristiane Quartaroli, economista banco Ourinvest.

Para Toledo, da LCA, algumas vezes a intervenção do BC tem um efeito até contrário à intenção, dependendo do humor do mercado. “Ele fez o que tinha que ter feito em momentos de nervosismo, mas se passar a mensagem de que está tentando defender o câmbio, é uma batalha que não dá para ganhar”, observa.

Bergallo, da FB Capital, pontua que não é o BC que vai determinar um teto para o dólar. “O próprio Roberto Campos foi enfático em dizer que não vai usar o câmbio para nada. O que pode acontecer atuar pontualmente quando há movimento muito abrupto de compra e venda”.

A alta do dólar veio para ficar?

Na avaliação de Luiz Mariano de Rosa, da Improve Investimentos, o dólar deve começar a trabalhar em um patamar mais alto daqui para frente, diante de um cenário de juros baixos. “Caso o país cresça e o estrangeiro venha aproveitar esse crescimento, deve entrar mais dólares”, aponta.

Bergallo, da FB Capital, não vê o dólar em hipótese alguma abaixo de 4 reais nos próximos meses. “Vejo convergindo perto dos 4 reais em janeiro, se o cenário externo propiciar isso, com um avanço nítido nas relações entre China e Estados Unidos”. Para cair mais, teria que haver a soma de dois fatores.

Ele aponta que o primeiro seria o avanço da primeira fase do acordo comercial entre China e Estados Unidos, amenizando o ambiente externo e criando condições para o capital voltar. O outro seria a continuidade de notícias indicando recuperação. “Tem muita gente ainda achando que o dólar vai voltar a 3,80 reais a qualquer momento. No momento, o tripé econômico de inflação, juros e câmbio prevê e acomoda o câmbio em patamar mais alto”, diz Bergallo.

A economista do Ourinvest, Cristiane Quartaroli, destaca que uma eventual queda da moeda norte-americana daqui para frente vai depender, principalmente, do desenrolar das reformas no Congresso, especialmente a tributária, que é o principal impasse do governo.