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O dinheiro digital entrou no radar de bancos centrais de todo o mundo recentemente, inclusive do brasileiro.
Também chamado de CBDC (Central Bank Digital Currency ou moeda digital do banco central, na tradução livre), o ativo tem o mesmo valor do dinheiro físico.
No caso do Brasil, a tecnologia está em fase de estudos pelo Banco Central. A instituição anunciou neste mês, por meio da Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac), a criação de um laboratório para avaliar possibilidades para uma versão brasileira do CBDC, que seria chamada de real digital.
O projeto — chamado de “LIFT Challenge” — visa receber ideias práticas para a sua implementação no país. Os testes devem começar até o fim do ano.
A expectativa é que o lançamento seja feito por aqui em 2024, segundo Rodrigoh Henriques, líder de inovações financeiras da Fenasbac, em entrevista ao CNN Brasil Business.
Segundo o especialista, os bancos centrais estão buscando digitalizar moeda de cada país para dar mais eficiência às economias locais.
A visão é a mesma para Carlos Eduardo Gomes, Head de Research da Hashdex. “A digitalização torna os processos burocráticos mais eficientes e traz produtividade. E ‘bem ou mal’ lidar com papel é muito custoso, como o uso de carros fortes e maquinário para a emissão das notas”, diz.
“Com o dinheiro digital, os BCs conseguem gerenciar as transações de forma mais prática e econômica, e acaba por ter um controle muito mais imediato e transparente”.
Num primeiro momento, a implantação do real digital não traria mudanças radicais na rotina das pessoas, explica Henriques, da Fenasbac. Isso porque, segundo ele, os brasileiros já estão acostumados a fazer transações digitais. “(o uso do real digital) seria parecido com o que já fazemos com o Pix”, diz.
O Banco Central disse ao CNN Brasil Business que o real digital tem como foco pagamentos online, inclusive do dia a dia, por isso seu impacto sobre a demanda por papel-moeda não deve ser relevante, a princípio.
“Futuramente podem surgir outras oportunidades”, comenta Eduardo Gomes, como empréstimos em aplicativos de celular e a otimização de contratos digitais. “Ou qualquer outro tipo de transação financeira, usufruindo de blockchain, moedas digitais e finanças descentralizadas, vai depender da decisão de cada governo”.
O BC brasileiro, ao comentar o real digital, já disse que os clientes teriam carteiras tecnológicas em suas contas bancárias, em que o ativo seria depositado. Desta forma, os brasileiros poderão usar o montante para realizar compras e pagamentos de forma digital, sem poder sacar o valor em papel-moeda.
“O mundo já é totalmente digital, e cada vez mais intermediado por tecnologias, não teria o porquê o setor financeiro ser diferente”, declara Henriques.
Contudo, os especialistas afirmam que é difícil definir com exatidão como as moedas digitais vão impactar a sociedade e as economias locais, pois as estruturas dos projetos pelo mundo ainda são novas.
O interesse dos BCs nas moedas digitais não está ligado somente à modernização do sistema. Há motivos “mais profundos” envolvidos nesse processo, segundo Fernando Nogueira Costa, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e ex-vice-presidente de finanças e mercado de capitais da Caixa Econômica Federal.
“Os bancos centrais buscam soberania nacional, e um dos mecanismos para chegar nesse resultado é o monopólio da emissão de papel-moeda”, diz.
O Brasil hoje, por exemplo, importa parte de seu papel-moeda, já que a Casa da Moeda não atende, sozinha, a toda a demanda do país. Essa descentralização da produção, segundo especialistas, pode enfraquecer o sistema financeiro local, já que a entrega do dinheiro físico corre riscos, como instabilidades pontuais no país produtor, desvios e outros fatores que fogem do controle do BC.
Além disso, Nogueira explica que a moeda digital, independentemente do país onde é usada, terá a função de aprimorar o controle de fiscalização dos BCs sobre as economias locais. “O controle das transações digitais amplia o controle dos bancos centrais sobre a economia de seus países”, diz.
“Quando acontece a apreensão de armas nas favelas, por exemplo, a aquisição criminosa, muito provavelmente, não foi feita com dinheiro possível de ser monitorado pelo Banco Central, mas com criptomoeda ou moedas privadas, que não passam pela instituição”, diz.
Cerca de 91 países, da Arábia Saudita à China, já estudam a tecnologia, de acordo com pesquisa do Atlantic Council. O levantamento revela que, desse montante, 17% já estão desenvolvendo a tecnologia, 16% estão com projetos pilotos e 10% já lançaram a moeda digital.
A Nigéria foi o último país a lançar um CBDC, o e-Naira, em outubro. A China também já lançou projetos pilotos da moeda digital, e já foram realizadas transações que totalizaram mais de 2 bilhões de yuans digitais (US$ 300 milhões).
O presidente do Banco do Povo da China (PBoC, o BC chinês), Yi Gang, disse recentemente que a instituição vai continuar avançando “prudentemente” no desenvolvimento de um yuan digital e aperfeiçoar seu design.
Contudo, o vice-presidente do banco central chinês, Fan Yifei, afirmou que problemas em suas regras de transação e sistema de pagamento ainda precisam ser resolvidos.
Ao mesmo tempo, o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA, país que ocupa o posto de maior economia do mundo), listou na última semana os riscos e benefícios da tecnologia.
“Embora uma CBDC possa fornecer uma opção de pagamento digital segura para famílias e empresas à medida que o sistema de pagamentos continua a evoluir e possa resultar em opções de pagamento mais rápidas entre países, também pode haver desvantagens”, escreveram autoridades do Fed em relatório divulgado em 20 de janeiro.
Os desafios, segundo o Fed, incluem manter a estabilidade financeira e garantir que o dólar digital “complemente os meios de pagamento existentes”, disse o Fed. O presidente da instituição, Jerome Powell, declarou que “o documento não pretende avançar em nenhum resultado, nem sinalizar que o BC tomará decisões sobre a emissão de uma CBDC”.
Os EUA entram no levantamento da Atlantic Council, como um dos países que estuda lançar um CDBC.
Já o Banco Nacional Suíço informou também na semana passada que não vê nenhum benefício na emissão de uma moeda digital.
“Acreditamos que os riscos superam os benefícios”, declarou integrante da diretoria do BC da Suíça Andrea Maechler, em conferência financeira realizada em Frankfurt, dizendo que uma moeda digital implica que os bancos centrais assumam os riscos do setor privado e que possa existir um aumento do risco de corridas bancárias.
“Isso não significa que o SNB (BC suíço) não esteja interessado na CBDC, mas nosso foco é analisar o papel que as CBDCs podem desempenhar”, afirmou Maechler, referindo-se ao uso em transações entre instituições financeiras como bancos.
Analistas do Atlantic Council apontam vários desafios para a implementação das moedas digitais, e diz que cada país precisa de uma consideração cuidadosa antes de lançar uma CBDC.
“Os cidadãos podem retirar muito dinheiro dos bancos de uma só vez e comprar CBDCs, desencadeando uma corrida aos bancos; centralizar, por meio do governo, um sistema projetado para ser privado pode gerar reação dos usuários e criar riscos de segurança cibernética; e os processos regulatórios não são atualizados para lidar com as novas formas de dinheiro e precisam ser mais robustos antes de adotar essa tecnologia”, diz.
Veja abaixo como está a discussão sobre as moedas digitais ao redor do mundo:
*Com informações da Reuters e de Fabricio Julião, do CNN Brasil Business